sábado, 5 de agosto de 2017

MAMMA MIA! (2008)

PONTUAÇÃO: BOM
Título Original: Mamma Mia!
Realização: Phyllida Lloyd
Principais Actores: Meryl Streep, Amanda Seyfried, Stellan Skarsgård, Pierce Brosnan, Colin Firth, Julie Walters, Christine Baranski, Dominic Cooper, Myra McFadyen, Niall Buggy

Crítica:


You can dance, you can jive, having the time of your life...

A ILHA DE AFRODITE 

See that girl, watch that scene, diggin' the dancing queen!

Leve, descontraído, descomplexado, despretensioso e, por isso mesmo, absolutamente irresistível. Assim é Mamma Mia! A cada cena, uma explosão de frescura, de jovialidade. As eternas canções dos ABBA, numa musicalidade orelhuda, nostálgica e contagiante, envolvem-nos e levam-nos, transportam-nos, alheam-nos da nossa realidade. Viajamos para o azul do mar, para a verdejante e solarenga costa grega. Batemos o pé, entregamo-nos ao riso e queremos lá saber do resto. Estamos a divertir-nos, a divertir-nos genuinamente, como poucas vezes a ver um filme. Às tantas, damos por nós a cantar e a cantar - já conhecemos os temas, fazem parte da nossa vida. Se ainda não fazem, será uma questão de instantes. Camaleónica, a deusa Meryl Streep surpreende como nunca, depois de tantos papéis inesquecíveis, de tantas personagens arrebatadoras. Sem preconceitos, assim se vê o calibre do qual são feitas, tão-somente, as actrizes maiores. Ela canta, dança, salta, chora, emociona, vibra como uma adolescente, demonstrando que a idade é, verdadeiramente, uma questão de espírito. Gravou The Winner Takes It All, na sua cena mais intensa e comovedora, de uma só vez. Benny Andersson, membro dos mítico grupo sueco, chamou-lhe, por isso, um milagre. Não admira.

O elenco é soberbo. Para além da ímpar protagonista, a hilariante Julie Walters (e quando digo hilariante, é hilariante mesmo; é ver para crer) e a mais lírica mas igualmente estouvada Christine Baranski, formam as Donna and The Dynamos!, as amigas cinquentonas e solteironas. Depois, o trio de hipotéticos pais: Pierce Brosnan, Colin Firth e Stellan Skarsgård, outrora risíveis hippies; quem diria. Não se estreando propriamente, é com Mamma Mia! que Amanda Seyfried é catapultada para as luzes da ribalta, com a sua voz de anjo e os seus tão expressivos olhos. O mesmo para Dominic Cooper, que assim alcançou maior reconhecimento. Todos cantam os seus próprios versos, havendo temas para todos brilharem, para todos terem o seu momento. E isso é imprescindível para a solidez narrativa e para a sua dimensionalidade. Até os figurantes cantam, qual coro, arrancando - não raras vezes - as mais incontidas gargalhadas. A cena mais emocionante, para mim, é aquela (ainda no primeiro acto) em que Donna conquista - à rotina mundana - dezenas de seguidoras (mães e mulheres) pela villa fora até ao cais, lembrando que ainda são capazes, que ainda são jovens, que ainda podem ser felizes. É, para o espectador, um misto de sorriso, arrepio e lágrima sentida. É o próprio exemplo, meta-diegético, de Streep. É, pois, inspiracional.

You are the dancing queen!
Young and sweet
Only seventeen!


Guarda-roupa, cenografia e fotografia aliam-se numa paleta de cores quentes, privilegiando os azúis e os púrpuras ao sol e as mais variadas luzes ao luar. Até o visual é festivo, alegre, contribuindo para a good vibe do filme, ou não se tratasse este do denominado feel good movie. Phyllida Lloyd, adaptando o sucesso da Broadway e despojada de purismos desnecessários, entrega a sua acalorada e tão empática visão cinematográfica com as desejadas simplicidade e eficácia; o tremendo êxito comercial do filme, aliás, fala por si. Fez muito money, money money, pois é puro honey, honey. Mamma Mia! tem o condão de encantar espectadores de todas as gerações e de agradar a toda a família. Sempre enérgico, sempre pulsante. Julgo que só um ser profundamente aborrecido possa odiar, verdadeiramente, este filme. Até os créditos finais são de acompanhar até ao fim. Oh, eu assisti este no cinema. E foi tão bom.

You're a teaser, you turn 'em on
Leave 'em burning and then you're gone
Looking out…


sexta-feira, 4 de agosto de 2017

A PAIXÃO DE SHAKESPEARE (1998)

PONTUAÇÃO: MUITO BOM
Título Original: Shakespeare in Love
Realização: John Madden
Principais Actores: Gwyneth Paltrow, 
Joseph Fiennes, Geoffrey Rush, Judi Dench, Tom Wilkinson, Colin Firth, Imelda Staunton, Ben Affleck, Steve O'Donnell, Tim McMullen, Steven Beard, Jim Carter, Sandra Reinton, Simon Callow, Martin Clunes, Rupert Everett

Crítica:

Who is that?

COMO ROMEU E JULIETA

Nobody. The author.

l don't know. It's a mystery como pode o fruto de tão eloquentes interpretações, tão arrojada produção artística, tão inspirada e bem-disposta fluidez narrativa e tão bela dedicatória ser apenas recordado por factores que lhe são puramente externos - pelos prémios que ganhou a concorrentes seus, mais ou menos memoráveis. Isso sim é injusto, isso sim é redutor. Nenhum filme se torna melhor ou pior pela estatueta que recebeu ou deixou de receber. Compreendo o fenómeno, até posso - em certa medida - rever-me e concordar com ele, mas tendo a desvalorizá-lo... porque A Paixão de Shakespeare é um triunfo absoluto do espírito e da arte. Também o foram A Vida É Bela, A Barreira Invisível e O Resgate do Soldado Ryan, cada um à sua maneira. Foi um ano de grande colheita para o cinema, não restam dúvidas. Mas o mérito de uns não significa o desmérito de outros. Ainda para mais, sendo comédia, A Paixão é logo à partida menosprezada, como se pertencesse a um género inferior; preconceito que seriamente me incomoda. Não há géneros menores. 
Feita, a jeito de introdução, a defesa a que a memória e o tempo tão claramente têm resistido, passemos à crítica ao filme.

A Paixão de Shakespeare propõe a viagem no tempo e a ficcionalização biográfica do poeta e dramaturgo. É, portanto e sobretudo, uma proposta. Uma proposta criativa, baseada tanto em factos como em rumores, como na liberdade poética de quem cria um objecto artístico deste tipo. É uma visão pós-moderna, que transpira - por todos os poros - uma admiração e reverência absolutas às palavras e construções das peças e sonetos, parafraseando muitos dos seus mais icónicos versos e expressões. 
Marc Norman e Tom Stoppard concretizam um argumento admirável. Na sua Paixão ecoam, desde a abertura, referências a Hamlet e a'O Mercador de Veneza e o desfecho alude à génese da Noite de Reis e da Tempestade, sendo que o seu âmago imagina as origens de Romeu e Julieta, reflectindo-a engenhosamente no romance entre o poeta e Viola (magnetica e magnificamente interpretados por Joseph Fiennes e Gwyneth Paltrow), ambos efervescentes nos actos, nas palavras e no amor... Não se propõe Romeu e Julieta a ser senão a peça sobre o amor... love like there has never been in a play. A paixão ardente das palavras e das declamações incendeia cada interpretação, à qual se aliam as sonantes e desfrutáveis composições musicais de Stephen Warbeck, influenciando a cadência da montagem (David Gamble) e o próprio ritmo narrativo. De um certo prisma, A Paixão de Shakespeare tem uma natureza musical - não sendo nunca um musical, a música influencia decisivamente o movimento (a coreografia dos corpos e das câmeras) e a acção (os acontecimentos e o tempo diegético). A música não acompanha, a música é intrínseca a cada cena. Um pouco como aconteceu noutra ficcionalização biográfica de época absolutamente assombrosa e igualmente pontuada pela comicidade: Amadeus; ainda que neste caso o facto do protagonista ser o compositor da própria música confira outra importância e dimensão a cada trecho escutado.

Há cómico de situação (da tortura aos pés de Henslowe, ao bigode de Thomas Kent, aos coitos interrompidos de Rosaline, ao disfarce de ama de Shakespeare, entre tantos outros), de linguagem (rol interminável, pelas mais variáveis bocas: I am the 
money!, the show must... go on!, too late, too late!) e de personagem (desde o clamoroso e agourento vigário ao jovem John Webster, sanguinário e amante de ratos, à própria personagem de Geoffrey Rush, sempre de um lado para o outro, cobrando o seu patronato e assegurando que tudo vai acabar bem, quase numa garantia metadiegética). Há um elenco portentoso, assegurando um talento coletivo preponderante: juntam-se aos já referidos nomes como Tom Wilkinson, Imelda Staunton, Colin Firth, Simon Collow, Martin Clunes e Mark Williams. E claro, Judi Dench como Queen Elizabeth, que em poucos minutos ofusca com o seu carisma e poder interpretativo. E não menos, seguramente, com o seu majestoso guarda-roupa e caracterização - categorias ao mais alto nível nesta obra. Estaremos, aliás e muito provavelmente, perante um dos melhores charriots de Sandy Powell, uma das melhores designers e estilistas da indústria.

Pouco me interessa se foi o melhor do seu ano. Isso vale o que vale. Agora, quantos filmes do género existirão e que poderão rivalizar com ele? Pois é, muitos poucos. Talvez perfaçam, tão-somente, uma mão cheia. Deles, A Paixão de Shakespeare sempre será um dos mais charmosos, cativantes e românticos filmes. Um clássico absoluto, a ver e rever sempre... sempre com o mesmo fascínio e com o mesmo deleite. Com o encanto e a doçura comparáveis... - perdoem-me a imagem, mas é irresistível, até pelo esplendor visual da obra - ao melhor dos cupcakes.


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CINEROAD ©2020 de Roberto Simões