sexta-feira, 13 de outubro de 2017

HARRY POTTER E OS TALISMÃS DA MORTE: PARTE 1 (2010)

PONTUAÇÃO: MUITO BOM

Título Original: Harry Potter and the Deathly Hallows: Part 1
Realização: David Yates
Principais Actores: Daniel Radcliffe, Rupert Grint, Emma Watson, Imelda Staunton, Helena Bonham Carter, Alan Rickman, Ralph Fiennes, Bill Nighy, Jason Isaacs, Timothy Spall, Brendan Gleeson, Domhnall Gleeson, Rhys Ifans, Toby Jones

Crítica:

PELA PAISAGEM DESOLADORA

You can't fight this war on your own, Mr. Potter... he's too strong.

Mais do que uma opção comercial, penso que dividir o sétimo livro da saga Harry Potter em dois filmes fez e faz todo o sentido. A franquia merecia um final épico e aprofundado - digno do riquíssimo imaginário criado por J. K. Rowling - contado sem atropelos, com todo o tempo que a história precisa para nos emocionar, para nos fazer arrepiar, rir e chorar e sobretudo torcer pelos nossos heróis ou vilões preferidos. Afinal, foram dez anos de tantas aventuras e desventuras, sustos e perdas e de... tantas esperas. Uma geração cresceu com o pequeno feiticeiro da cicatriz, o rapaz que sobreviveu, à medida que cada tomo lhe enegrecia o caminho. Depois do desmazelo que foi O Príncipe Misterioso, é reconfortante constatar que Harry Potter volta à melhor forma. O nível sobe e sobe muito. Esta primeira parte d'Os Talismãs da Morte não é senão o melhor filme da saga desde O Prisioneiro de Azkaban: cinema em estado puro, desta feita na forma de um incessante, aterrorizante e asfixiante road movie, que nos faz temer o pior a cada instante.

Se disse cobras e lagartos de David Yates na crítica ao filme anterior, a meu ver justamente, há que dizer o melhor no que respeita à sua realização, agora. Inspiradíssimo, revela-se mestre da câmera numa encenação cuidada, estudada e multifacetada na condução das emoções, sejam elas de que natureza forem. Dos close-ups aos planos mais abertos, dos travellings por entre as árvores, a alta velocidade, aos slow motions mais oportunos... a sua linguagem cinematográfica revela-se de uma segurança e atinge uma maturidade inequívocas. Para muito contribui, é certo, o denso e tão bem adaptado argumento de Steve Kloves, rico em pormenores mas lento em expô-los ou em dissecá-los. Diria que o faz lentamente para preservar todo o sabor da história, como aquelas carnes que assam durante longas horas a baixa temperatura. Resultado: desfazem-se na boca. Talvez pela comparação gastronómica se entenda perfeitamente o quão suculento é saborear esta deliciosa experiência cinematográfica.

As cenas memoráveis são inúmeras: desde a abertura pelos céus de Londres, em plena fuga e adrenalina máxima ao inesperado ataque à tenda de casamento do Bill Weasley, da poção polisuco pelos corredores do Ministério da Magia à belíssima animação dos Talismãs da Morte, na pitoresca casa do pai de Luna, do atordoante confronto de varinhas na mansão dos Malfoy à introspectiva fuga pela floresta, que domina toda a segunda metade da viagem, em que os protagonistas se encontram consigo próprios, com o silêncio e com a solidão, enquanto o mundo de mágicos e muggles desaba, depreendemos, perante a maligna ameaça de Lorde Voldemort. Ralph Fiennes é, a propósito, absolutamente assombroso na sua performance; por mais que a caracterização o ajude a personificar as trevas - fisicamente causa calafrios - é pela alma e espírito que impregna toda sua dimensão, toda a sua amplitude. É, certamente, um dos grandes vilões da História do Cinema.

Em busca dos horcruxes, os perigos são mais letais do que nunca. As personagens desaparecem, ferem-se, são torturadas, morrem. O mundo encantado há muito que deu lugar a uma demanda terrífica. O tom é sério e a fantasia é levada a sério. Por isso, dói-nos tanto e tão verdadeiramente quando a tragédia se desfere na mais inocente, querida e heróica criatura, ainda que digital, ainda que de tão lá para trás. Marcou-nos pela sua graça e agora leva-nos o coração às lágrimas. O final é desolador, como desoladora é a paisagem e desoladoras são as circunstâncias que nos apertam o peito, do início ao fim. Dumbledore também tinha merecido uma despedida assim, mas assim não foi. O espírito de Dumbledore permanece e a sua herança mostra-se decisiva para o desenlace.

Eduardo Serra capta essa natureza despida, inóspita, quase deserta, quase morta, com que se espelham as angústias e os medos de Harry, Ron e Hermione. A beleza do quadro é silenciadora, quase tumular. Como se essa viagem dos três - pelo mundo exterior, longe de Hogwarts - fizesse parte de um ritual obrigatório de crescimento e de maturação, quem sabe se preparatório ou decisivo para o que há-de vir. Brilhante trabalho de fotografia.

Alexandre Desplat assume a composição e a orquestração musical; se, por um lado, se distancia igualmente das partituras de John Williams, como o fizera pessimamente Nicholas Hooper no capítulo anterior, por outro jamais os seus temas destoam da proposta de Yates. Pelo contrário, sublimam-na, ao serviço da narrativa e do sentimento.

Por tudo isto, a primeira parte d'Os Talimãs da Morte é um filme, a todos os níveis, magistral. De uma profunda dimensão interior, humana e despojada de artifícios como nunca nenhum Harry Potter tinha sido antes. A ponte perfeita para a conclusão da saga, que se espera novamente plena em pirotecnia e em espetáculo. Se a parte última tratar tão bem o sentimento, as personagens e a história quanto esta primeira, o final será nada menos do que operático e triunfal.

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