quarta-feira, 15 de março de 2017

GRAVIDADE (2013)

PONTUAÇÃO: MUITO BOM
★★★★ 
Título Original: Gravity
Realização: Alfonso Cuarón
Principais Actores: Sandra Bullock, George Clooney

Crítica:

SOZINHA NO ESPAÇO 

 It'll be one hell of a ride. 

Ainda o Homem não tinha pisado a lua e já o cinema explorava o espaço. Gerações de miúdos cresceram desde então, sonhando tornar-se astronautas. Depois de Gravidade, dificilmente acontecerá o mesmo.

Alfonso Cuarón concretiza uma experiência sem precedentes, bem mais agoniante do que a proporcionada por muitos filmes de terror. Uma vertiginosa e imparável montanha-russa - tanto para as personagens como para os espectadores. Abalroados por uma tempestade de destroços, somos brutalmente impelidos, sem termos onde nos agarrar. Rodamos incessantemente, ao sabor do impacto e do vento espacial, sem qualquer referência do que está em cima e do que está em baixo: no espaço, isso é indiferente. A câmera acompanha-nos em reviravoltas de 360º que não conseguimos controlar. Precipita-se, descompassada, a respiração no interior do capacete, queimando o oxigénio essencial. Na luta contra o tempo, apodera-se o desnorte, confundem-se a luz e a escuridão. Os takes demoram-se e, a cada respirar, as coisas tendem a agravar-se sempre, como se ainda fosse possível piorarem. Tudo isto, juntamente com a estranheza da sonoplastia, causa-nos náuseas. Imploramos por um alívio, mas poucos serão os instantes minimamente agradáveis ao longo dos noventa minutos de duração. Cuarón deixa-nos à deriva no espaço, lutando pela sobrevivência, desafiando os nossos sentidos e a nossa força. I hate space! desabafa ao vazio e ao grande silêncio, às tantas, a cosmonauta de Bullock, Ryan Stone. E como nos revemos nas suas palavras. In space no one can hear you scream, já dizia a tagline de Alien, e tinha toda a razão. No entanto e paradoxalmente, como sabe bem voltar ao filme, de quando em vez, e ao seu puro magnetismo. Ao filme, entenda-se - não ao espaço.

Mas o paradoxo continua: mergulhados na imensidão, sentimo-nos tão ínfimos e insignificantes como se estivéssemos prestes a ser devorados, num piscar de olhos. O batimento cardíaco acelera, aquece-nos o sangue, um pouco por todo o corpo. Cresce uma sensação fóbica que se nos apodera e nos conduz ao pânico. Ao mesmo tempo e perante o espaço aberto, sentimo-nos confinados, enclausurados, sufocados... Somos um estranho fora do nosso meio natural, como que abandonados nas profundezas do oceano mas na escala da infinitude. O 3D - e como sou céptico da sua utilidade - possibilita, neste caso, um nível de imersão absolutamente incrível e estonteante. Facto que seria impossível, é claro, sem a determinante credibilidade dos efeitos digitais, que são 80% do filme. A maior parte do tempo nem damos por eles, a não ser que pensemos na impossibilidade de rodar o filme, efectivamente, no espaço. De resto estamos no espaço, presos aos malabarismos da câmera, ao esplendor visual e ao intimismo da situação, tão fisica e exigentemente interpretada por Sandra Bullock. George Clooney está lá para a contracena, está bem, mas podia lá estar outro qualquer. Mas tornando ao triunfo tecnológico: a equipa de Tim Webber, ao fim e ao cabo, acaba por ser o pintor de serviço, preenchendo a maior parte dos quadros com apuro estético e científico, seja noite ou seja dia no planeta de fundo: o planeta Terra. A própria NASA foi consultora científica do filme. Aliado está o - tão difícil de imaginar - trabalho de fotografia de Emmanuel Lubezki, na preparação prévia dos enquadramentos e dos jogos de câmera e do pormenorizado tratamento da iluminação, que conjugada com os efeitos visuais tão decisivamente potenciou o realismo de toda a experiência. Foram quatro anos e meio de trabalho de equipa e de muita dedicação para atingir os resultados pretendidos.

O argumento relativamente simples de Gravidade é daqueles que, nas mãos de outro realizador, resultaria num filme de sobrevivência banalíssimo. A câmera, o olhar visionário, a permanente alternância entre o prisma mais panorâmico e a proximidade do close-up, a atenção dada à performance de Bullock, os simbolismos... todos estes ingredientes se mostram imprescindíveis para a singularidade da proposta, que tão poucas cedências aparenta fazer às condicionantes científicas e gravitacionais. Na órbita da Terra e com gravidade zero ou microgravidade, com mudanças drásticas de temperatura e com o perigo iminente de uma desacoplagem mal sucedida, de um incêncio fatal ou de um afastamento involuntário e irreversível... Gravidade é um feito e tanto. Se por acaso, em algum momento, viermos a respirar de alívio, até pensamos que é mentira, tal foi o pesadelo. Na história de Stone (provavelmente simbólico, o nome) fica exposta e representada toda a fragilidade humana e, simultaneamente, toda a misteriosa força e instinto de sobrevivência que nos leva a lutar na solidão quando já estamos, aparentemente, condenados - como se fosse possível o renascimento (metáfora à qual, aliás, Cuarón não resiste, desde a simulação da posição fetal ao acto da personagem, às tantas, reaprender a andar).

Por tudo isto, Gravidade tem lugar assegurado entre os maiores clássicos da ficção científica.

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