terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

AS HORAS (2002)

PONTUAÇÃO: MUITO BOM
Título Original: The Hours
Realização: Stephen Daldry

Principais Actores: Nicole Kidman, Julianne Moore, Meryl Streep, Stephen Dillane, John C. Reilly, Ed Harris, Miranda Richardson, Toni Collette, Claire Danes, Jeff Daniels, Allison Janney, Jack Rovello

Crítica: 

I choose death.

A ANGÚSTIA DO TEMPO

I chose life.

A morte assombra As Horas desde o primeiro instante: desde o trágico prólogo em que Virginia Woolf sai de casa, atravessa o jardim apressadamente e avança pelas águas do rio Ouse adentro, de pedregulho no bolso, decidida a terminar o seu longo tormento: existir. Desde esse primeiro instante, as prodigiosas notas de Philip Glass acompanham cada fôlego das personagens - a música emerge como a lúgubre alma do filme. Quando o quadro se desvanece a negro e os créditos finais encerram a obra, a fluidez, a repetição e o dramatismo existencial das notas do compositor já penetraram a memória do espetador e acompanhá-lo-ão na reflexão.

Someone has to die in order that the rest of us should value life more. It's contrast.  
Virginia Woolf

As Horas é um ensaio filosófico tremendo, sobre a tristeza e a profunda infelicidade que advém da prisão em que se pode tornar a nossa vida caso persistamos em ignorar a nossa voz interior e em sermos nós próprios. É sobre a busca da felicidade no tempo... quando esta não vive senão na inquietude do instantes presentes. A passagem do tempo, das horas, pode ser uma experiência extremamente dolorosa... A partir do romance original de Michael Cunningham, a bem sucedida adaptação de David Hare: uma construção narrativa a três tempos, exigente, ousada e magnífica, assim como as performances da tríade de atrizes principais - Nicole Kidman, Julianne Moore e Meryl Streep - as quais o filme enaltece como lendas da representação que, verdadeiramente, são. Para alguns a morte pode ser uma libertação (é com toda a certeza um escape para a instável, depressiva e intensa Virginia Woolf, decorre a ação no Reino Unido entre 1923 e 1941; Kidman transfigura-se sublimemente na pele da escritora britânica e não só por mérito da excelente caracterização), para outros uma incógnita (é o caso de Laura Brown, para quem a vida doméstica e familiar se tornou numa experiência profundamente frustrante, surgindo o suicídio como uma possível solução, decorre o melodrama na Los Angeles de 1951; o olhar de Moore transcende-se a cada cena e compreendemo-la embora tenhamos dificuldade em perdoá-la), para outros um destino cruel a evitar a todo o custo (Clarissa Vaughan deixou de viver para ela própria e perpetua uma tristeza crescente enquanto trata do amigo Richard, vítima da sida e de um desejo de morte quase poético; estamos em Nova Iorque, 2001. Meryl Streep entrega-nos mais um fabuloso desempenho da sua carreira. Richard é interpretado por um tocante e comovente Ed Harris).

Virginia Woolf, nos anos 20, escrevendo o seu romance Mrs Dalloway
Mrs. Dalloway said she would buy the flowers herself. 

Laura Brown, em 1951, lendo o livro de Woolf: 
Mrs. Dalloway said she would buy the flowers herself. 

Clarissa Vaughan, 2001, vivendo, de alguma forma, a realidade ficcional: 
Sally, I think I'll buy the flowers myself.  

Stephen Daldry concretiza um filme, em todos os aspetos, magistral. É o triunfo da inspiração e da arte sobre quaisquer dificuldades de adaptação. É a captação e a conversão da essência e do espírito do livro à linguagem cinematográfica. No guião ou na palavra proferida pelos atores, no movimento de câmera ou na beleza dos enquadramentos (fotografia de Seamus McGarvey) ou na já referida banda sonora, há uma noção harmoniosa da sensibilidade e subtileza necessárias e extremas para potenciar cada cena, cada momento. Esse uníssono, neste filme em particular, foi determinante. Funcionam assim as três histórias em paralelo e estabelecem-se, pelos detalhes, os vários pontos de ligação, como se houvesse uma narrativa comum e que evolui ao longo do tempo, como que numa superação ou entendimento maior da morte. Daí que Virginia escolha a morte, que Laura a tente mas opte pela vida e que para Clarissa a morte não seja sequer uma possibilidade - o contacto que estebelece com a morte é pela morte do outro, do amigo Richard (que às tantas descobrimos ser o adorável filho de Laura, que conhecemos no trecho dos anos 50). A ligação das três mulheres ao romance Mrs Dalloway é fulcral à sucessão dos acontecimentos. Viriginia já escrevia o romance quando decidiu que a protagonista não se suicidaria. The poet will die. The visionary. Daí a viragem no trajeto de Laura, a leitora. Daí também a morte de Richard, na terceira história.
 

To look life in the face, always... to look life in the face, and to know it for what it is... at last, to love it for what it is, and then, to put it away.
Virginia Woolf

E assim temos um filme que, tal como o inspirador livro de Richard, é... de «leitura difícil», tão lírico e erudito. Uma obra fascinante sobre tudo aquilo que antecede a Morte... o Tempo... as Horas... e a angústia decorrente dessa consciência. Um dos melhores filmes da década.

7 comentários:

  1. Excelente filme e uma crítica a condizer :)

    Abraço

    ResponderEliminar
  2. Roberto, nem sei o que dizer sobre esse filme.
    Na minha opinião, é excelente! Um dos poucos a que me entreguei completamente enquanto assistia.
    As atuações realçam aquilo que o roteiro mostra: o peso do cotidiano, o fardo de se conviver consigo mesmo quando não se é feliz.
    Sua resenha representa bem o filme e um dos seus adjetivos caracteriza eficientemente o tom do filme: lúgubre.
    Parabéns mesmo.

    ResponderEliminar
  3. JACKSON: Muito bom filme, mesmo. Obrigado pelo elogio ;)

    LUÍS: O argumento é excelente, sem dúvida! E o filme anda lá muuuuito perto. É absolutamente magnífico. E sim, 'lúgubre' é o adjectivo certo. O mesmo adjectivo é certo, por exemplo, para qualificar Expiação.
    Obrigado pela congratulação! ;)

    Cumps.
    Roberto Simões
    CINEROAD - A Estrada do Cinema

    ResponderEliminar
  4. Eu acho que o filme não é lúgubre mas sim deprimente! Mas não se podia esperar outra coisa de Virginia Wolff. Depressão e sentimentos negativos em dose industrial... Aconselho este filme apenas para aqueles que andam tristes e que queiram ficar ainda mais deprimidos!

    ResponderEliminar
  5. EMANUEL NETO: Também é deprimente, na melhor das acepções.irginia Woolf, de facto, outra coisa não seria de esperar. Mas não sejamos injustos, o filme é tanto mais do que isso! É o melhor filme de Daldry e uma excelente dissertação sobre a angústia da vida face às evidências da morte.

    Cumps.
    Roberto Simões
    » CINEROAD - A Estrada do Cinema «

    ResponderEliminar
  6. Revi o filme há pouco tempo e continuo a adorá-lo como se da primeira vez fosse.

    ResponderEliminar
  7. FLÁVIO GONÇALVES: O mesmo acontece comigo, a cada vez que o vejo. É muito, muito bom.

    Cumps.
    Roberto Simões
    » CINEROAD – A Estrada do Cinema «

    ResponderEliminar

Comente e participe. O seu testemunho enriquece este encontro de opiniões.

Volte sempre e confira as respostas dadas aos seus comentários.

Obrigado.


<br>


CINEROAD ©2020 de Roberto Simões