domingo, 26 de janeiro de 2014

MÁQUINA ZERO (2005)

PONTUAÇÃO: MUITO BOM
Título Original: Jarhead
Realização: Sam Mendes

Principais Actores: Jake Gyllenhaal, Peter Sarsgaard, Laz Alonso, Brian Geraghty, Jamie Foxx, Skyler Stone, Wade Williams, Katherine Randolph, Chris Cooper, Lucas Black, Dennis Haysbert

Crítica:

NASCIDOS PARA... MATAR?

Welcome to The Suck.

Depois da magistral passagem pelo filme de gangsters com o virtuoso Caminho Para Perdição, eis que Sam Mendes se estreia no género guerra, regressando à sátira que tão bem trabalhou no aclamado e premiado Beleza Americana. William Broyles Jr. (o mesmo de O Náufrago) adapta a autobiografia do fuzileiro Anthony Swofford, sobre a sua frustrante experiência na guerra do Golfo, e o humor negro, por demais corrosivo, assume desde logo a ação, ridicularizando e criticando os excessos e os vazios da operação americana pelo abrasador deserto da Arábia Saudita, no início da década de 90. Pela eloquente narração de Jake Gyllenhaal - genuinamente intenso no seu papel - conhecemos a desconcertante perspetiva e apercebemo-nos do seu desencanto. Eis a auto-reflexão e o exame de consciência, a masturbação metafórica, que permitirá, quem sabe, a catarse.

O filme abre na recruta e em absoluta homenagem à primeira parte de Nascido Para Matar, de Kubrick. Muito antes de oferecer o corpo às balas, na linha da frente das estratégias do sistema político, integrar o serviço militar significa submeter-se à obediência cega dos superiores e à humilhação de superiores ou iguais, sem qualquer questionamento. Alheio a ideologias prévias ou a sensibilidades maiores, o processo de converter um jovem cidadão numa brutal máquina de guerra resulta de um certo estímulo da idiotice. Haverá outra forma de classificar a oratória e a linguagem, a praxe, os catigos e as punições, a autoridade excessiva, a privação da liberdade, a extinção da individualidade, da privacidade, da sexualidade, das relações sociais no meio original de cada um, onde petencem a alguém ou a algum lado? Onde constroem afetos e onde, sem refletirem sobre isso porque é um dado adquirido, têm identidade própria? As forças militares, pela necessidade que têm em desumanizar de alguma forma os seus filhos/produtos por forma a prepará-los para a defesa de um país, para o confronto e para a temível morte, podem condená-los a uma experiência, senão derradeira, profundamente traumática. Ser tropa é submeter-se a uma preparação tal que podemos chamar-lhe, ao processo, lavagem cerebral.

Chamam-lhes Jarhead, Cabeças de Jarro, por causa do penteado e porque têm que ter, realmente, a mente vazia como um jarro para suportarem o desconhecido que, nos piores casos, os espera... Swofford encheu-se de areia, descobrimos num pesadelo. Pobres coitados, aqueles cuja memória ainda invoca o conforto de outros tempos, e que se lamentam ou que choram por medo, por arrependimento ou por saudades. Só mortos não sentirão qualquer dor, naturalmente. Terão a dor de ficar doentes ou feridos ou enlouquecidos ou... como será aqui o caso, desesperadamente à espera de nada - bem que anseiam por disparar, mas esperam e esperam, os dias tornam-se semanas e meses e nada. Bem que imaginaram a refrega a rebentar ao som de Wagner, com negros e furiosos helicópteros a rasgar os céus com balas e destruição, como no genial Apocalypse Now de Coppola a que assistem com uma excitação tão infantil quanto animal antes de partirem para o deserto. Enfim, como se a guerra fosse cenário para heróis. Estavam tão longe de imaginar que o Golfo seria para eles um exercício de perfeita desilusão e inutilidade, de tédio elevado ao cubo, a que se poderia também chamar perda de tempo e de existência. Swofford certamente que lhe chamaria... masturbação. Sorte a deles, ou acabariam, se não pior, como aquele veterano que lhes entra pelo autocarro do regresso a casa.

O argumento - da narração aos diálogos e à sua construção - é dotado de assaz inteligência, perspicácia e irreverência. É brilhante, pois claro. Funciona como um murro no estômago, tal é a exploração do absurdo que o real mais parece, na maior parte do tempo, surreal. Edifica-se assim um filme que é de guerra sem o ser realmente - o que poderá desafiar a sua catalogação (não que isso seja importante) e ter defraudado as expetativas de muitos espetadores (que também não será o muito importante; cada filme é o que é). Como em qualquer grande filme de guerra, o elenco secundário confere autenticidade ao retrato, como é o caso especial de Jamie Fox e Peter Sarsgaard. A banda sonora - da original de Thomas Newman às canções sempre tão cool - ajudam à crítica ou à paródia, neste caso último como que gozando constantemente com tudo e todos. Os movimentos de câmera são sublimes na captação de toda a reportagem, preponderantes para a criação da tensão até ao limbo dos poços em chamas, e os enquadramentos da portentosa fotografia de Roger Deakins (assim como cada jogo de luzes e cores) atribuem à obra uma beleza e um esplendor para lá de arrebatadores. Raramente os quadros de um filme de guerra (ou passado no deserto) terão sido visualmente tão deslumbrantes e cheios de estilo como em Máquina Zero.

Um projeto arriscado, mas que por mérito artístico se consagra absolutamente vitorioso.

11 comentários:

  1. muito bom??? que treta de filme...

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  2. Sam Mendes num registo compentente e original. Um óptimo filme!

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  3. Desculpa lá, mas tenho de concordar ali com o João Lino.

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  4. JOAO LINO: Sim, muito bom!!! Que pérola de filme...

    JACKSON: Eu diria num registo muito bem sucedido e bem inspirado. Original q.b., mas sem dúvida um óptimo filme!

    ÁLVARO MARTINS: Estás desculpado.

    Cumps.
    Filipe Assis
    CINEROAD – A Estrada do Cinema

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  5. GUSTAVO H.R.: Isso digo eu! ;D MÁQUINA ZERO é, de facto, um filme sublime.

    Cumps.
    Filipe Assis
    CINEROAD - A Estrada do Cinema

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  6. Ainda estou para o ver. Brevemente darei a minha opinião.

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  7. TIAGO RAMOS: Espero por ela. É um filme tão bom, tão raro, pelo seu humor satírico e pelo primor da sua realização.

    Cumps.
    Roberto Simões
    CINEROAD – A Estrada do Cinema

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  8. Uma obra bastante subvalorizada...

    Abraço
    http://nekascw.blogspot.com/

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  9. NEKAS e GUSTAVO HR: Subscrevo-os a ambos, inteiramente.

    Cumps.
    Roberto Simões
    CINEROAD - A Estrada do Cinema

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