domingo, 18 de agosto de 2013

UM ELÉTRICO CHAMADO DESEJO (1951)

PONTUAÇÃO: MUITO BOM
Título Original: A Streetcar Named Desire
Realização: Elia Kazan
Principais Actores: Vivien Leigh, Marlon Brando, Kim Hunter, Karl Malden, Rudy Bond, Nick Dennis, Peg Hillias, Wright King, Richard Garrick, Ann Dere, Edna Thomas, Mickey Kuhn

Crítica:

A ACTRIZ E O MACACO

A line can be straight, or a street.
But the heart of a human being?

Equiparo Blanche a uma actriz, porque ela é uma mentira. Vivien Leigh dá-lhe corpo e alma, fabulosamente, perdida em ilusões e em declamações teatrais. Essas reminiscências, as teatrais, repercutem-se na calorosa representação dos actores (magistralmente dirigidos), na encenação interior, quase claustrofóbica (focada no essencial: as relações humanas) e na palavra: A Streetcar Named Desire é a adaptação cinematográfica da peça de Tennessee Williams, que Elia Kazan também encenou. Tal como no extraordinário Suddenly, Last Summer, que Mankiewicz mais tarde adaptaria, os temas recorrentes de Tennessee Williams: a loucura, o passado que assombra o presente e o segredo sobre as pecaminosas e imorais relações sexuais que marcaram as personagens para sempre. Em ambos os filmes, o poder do implícito (potenciado pela censura).

Blanche é uma mulher perturbada: pouco sabemos sobre ela e quanto mais descubrimos maior é a pena que sentimos. Às tantas esperamos pela sua redenção. Mas por mais burguesa e requintada que tenha sido a sua educação, a vida empurrou-a para a ruína, para um caminho difícil e vergonhoso, do qual não há retorno possível. É por isso que chega a Nova Orleães, onde ninguém a conhece a não ser a irmã Stella, onde poderá tentar o recomeço. Traz uma mala repleta de memórias, de excentricidades, mas não passam elas de um guarda-roupa de backstage, que alimentará novamente o embuste. Ela é uma fraude, fomentada pela tragédia e pela solidão.

O coração do filme encontra-se na relação antagónica - eu diria explosiva - entre esta lunática e refinada Blanche e o bruto e violento Stanley (o cunhado, o touro enraivecido, brilhantemente interpretado por Marlon Brando).

He's like an animal. He has an animal's habits. There's even something subhuman about him. Thousands of years have passed him right by, and there he is. Stanley Kowalski, survivor of the Stone Age, bearing the raw meat home from the kill in the jungle.
Blanche

No ar, há uma tensa e permanente atmosfera de desejo; qual nome do eléctrico que sobe e desce a rua, diariamente. Essa atmosfera é uma e outra vez refreada pelos tempos da acção, mas jamais extinta. Apesar do desejo não-assumido, apesar do corpo sensual e suado do polaco que inebria o olhar de Blanche, há ódio. O ódio é a lei da atracção. Stanley desconfia da cunhada, insiste em desmascará-la. Blanche afronta-o, desafia a sua autoridade máscula. Existe Stella, no meio como um peão, que adora a irmã e idolatra o marido, sem personalidade própria. Mas existem sobretudo estes dois, que suplantam o protagonismo da obra. Há tanta loucura na mácula dela como na efeverscência dele, como na arrogância e desejo dos dois. Na verdade, lutam a força e a fragilidade. Não esteve desde sempre ditada a vitória, então? O contraste entre ambos estabelece-se até pelos estilos de representação: ele, tão mais realista e voraz; ela, tão mais articifial, como Shakespeare. Tudo isto culmina, como sabemos, num espelho partido e consumado. O tabu do sexo ou do sexual, que esteve na origem da tragédia, prevalece na meta-diegese, na representação da acção, nas subtilezas do argumento e na construção de Desire enquanto objecto fílmico; que não foi alheio a controvérsia, como seria de esperar. Anos 50.

Eis, pois, um filme profundamente humano, um concentrado de muito boa representação e de muito boa sátira, que magnetiza a nossa atenção e que conquista a nossa memória.

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