quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

HERÓI (2002)

PONTUAÇÃO: EXCELENTE
★★★★★
Título Original: Ying Xiong
Realização: Zhang Yimou
Principais Actores: Jet Li, Tony Leung Chiu-Wai, Maggie Cheung, Zhang Ziyi, Chen Daoming, Donnie Yen, Daoming Chen, Zheng Tia Yong, Yan Qin, Chang Xiao Yang, Ma Wen Hua, Wang Shou Xin, Jin Ming, Xu Kuang Hua

Crítica:

A LENDA DO HERÓI SEM NOME
OU O NASCIMENTO DE UMA NAÇÃO


O maior feito de todos é conseguido 
pela ausência da espada tanto na mão como no coração.

São poucas as obras de arte, desde que há cinema, capazes de rivalizar com a pureza e a beleza poética deste Herói, esmagadora obra-prima visual de Zhang Yimou. É, com toda a certeza, um dos mais belos filmes de sempre. Depois do virtuoso O Tigre e o Dragão, de Ang Lee, ter aberto as portas do cinema oriental ao mundo, como há muito não acontecia, eis que, pelas mãos dos mesmos produtores, os épicos de artes marciais - os wuxia, daqueles que desafiam a gravidade e a imaginação - atingem o seu máximo esplendor. As lendas do nascimento da China e da edificação da Grande Muralha inspiram um argumento arrojado: qual Rashômon - Às Portas do Inferno, de Kurosawa, Herói esculpe o seu diamante jogando com as sucessivas perspetivas das personagens sobre os mesmos acontecimentos, o que resulta numa desafiante odisseia interpretativa para o espetador, aliada a um deslumbrante e arrebatador festim de cores e emoções.

Há dois mil anos (...) a China estava dividida em sete reinos. Durante anos bateram-se pela supremacia enquanto os seus povos sofriam. O mais temível no desejo de conquistar terras e de tudo unificar debaixo dos céus era o rei Qin. Era visto pelos outros seis reinos como um inimigo comum. Os anais da história chinesa abundam de narrativas sobre assassinos enviados para matar o grande rei. Eis uma dessas lendas...

O protagonista Sem Nome, interpretado por um frio Jet Li - o anonimato não deixa de possuir uma forte carga simbólica - tem a honra de ser recebido pelo rei Qin (Daoming Chen), a uns escassos dez passos, para a entrega das espadas de Céu (Donnie Yen), Neve Esvoaçante (Maggie Cheung) e Espada Partida (Tony Leung Chiu Wai), os três assassinos mais procurados e com a cabeça a prémio, até então jamais apanhados, desde uma tentativa passada e falhada de regicídio. A oferta das espadas significa que Sem Nome os derrotou, apesar da sua fama de invencíveis. O rei anseia agora tomar conhecimento da sua versão dos acontecimentos. Mas a história que o herói lhe conta é tão inverosímil que o rei jamais acreditaria no seu conto. Eis que sua majestade o confronta, com uma possível versão mais plausível. E como não há duas sem três, Sem Nome acaba por contar uma terceira versão, menos fantástica e muito mais fiel à realidade. O filme consiste na audiência real e na contraposição/esgrima de argumentos e perspetivas. A palavra como arma. É fascinante acompanhar a retórica de cada um e o desvendar do mistério. No final, até a chama das velas aponta para a verdade. A identidade do herói é afinal outra e não passou tudo de um plano para tentar assassinar Qin de uma vez por todas. Curioso que o significado do caracter, a vigésima forma de escrever espada, apele à diplomacia para a resolução do conflito, à paz pela palavra e que por ela se reja a honra dos heróis e dos grandes Homens. É a demanda de Sem Nome que acaba por desencadear o nascimento do império e a sua filosofia.

O genial trabalho de cinematografia de Christopher Doyle, em constante harmonia com a paisagem ou a cenografia (Tingxiao Huo, Zhenzhou Yi), transcende-nos em absoluto. Vermelho, azul, branco, verde... o jogo de tonalidades resulta magistralmente na diferenciação das várias linhas diegéticas. Também no guarda-roupa o arrojo é notável e cooperante com esta estética colorida e maravilhosa. A banda sonora de Tan Dun, profundamente espirituosa, perpetua o encantamento e os efeitos especiais (quase impercetíveis de tão sofisticados) aliam-se à criatividade mágica da obra. Confluem-se, subtilmente, com a estética das lutas e das fabulosas sequências de acção. Os comoventes desempenhos de Maggie Cheung, Tony Leung Chiu Wai ou Daoming Chen sobressaem e dão vida e alma à lenda. Cenas memoráveis? Inúmeras e já antológicas: a luta entre Sem Nome e Céu, entre os pingos da chuva. O ataque do exército real à escola de caligrafia. O confronto enraivecido entre Lua (Zhang Ziyi) e Neve Esvoaçante; ambas de vermelho, qual bailado, entre as folhas caídas e douradas. O duelo entre o herói e Espada Partida sobre o lago. A cada golpe de espada não há violência, apenas lirismo. Cada plano, cada enquadramento, ousa tocar o divino. É como pintura em movimento. Que mais poderíamos pedir de uma obra de arte?

Zhang Yimou, apaixonado e inspiradíssimo, filma com o maior sentido de espetacularidade e extravagância. Herói impõe-se, pois, como um colossal exemplo de perfecionismo e megalomania. Mas Yimou jamais se perde nos excessos: Herói é, afinal, um filme profundamente intimista e um exercício de extrema sensibilidade na forma como jamais descura a dimensão e as relações das suas personagens. É ainda meditativo e contemplativo quanto baste. Enfim, uma obra-prima delirante e incontornável. Dá a sensação que a perfeição existe, a cada instante imperdível.

28 comentários:

  1. Coincidência, não?! Sabe que eu acho o filme espetacular. Tanto em termos de texto, quanto em termos visuais e sonoros.

    Asb!

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  2. "Herói" é um marco da história do cinema técnico...

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  3. Tenho o filme porque comprei o Público no Sábado passado. Mas ainda não o vi. Por acaso não +pensei que pudesse ser tão bom, apesar de já ter lido excelentes críticas. Mas terei que lhe dar uma oportunidade sendo assim.

    Abraço

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  4. Kau Oliveira,

    É, primeiro estranha-se, depois entranha-se... e às tantas não reconhecer a originalidade da obra é ofensa. Grande filme, sim!

    Cumps.


    Juliano Jacob,

    Signifique «cinema técnico» o que significar, estou de acordo contigo: "Herói" é um marco da história do cinema. E que marco.

    Cumps.


    Fifeco,

    Pois, eu não o comprei com esse jornal, mas já soube entretanto que o obtive graças a essa promoção. Os filmes da LNK estão a preços tão reduzidos, sobretudo no Hipermercado do Elefante, que chega a ser falta de respeito para todos aqueles que, como eu, chegaram a comprar os filmes a 19, 20€. Quando ainda não os comprei, reconheço, sabe muuuuito bem.
    Aparte isto, tenho-te a dizer o mesmo que disse ao Kau. Para ver HERÓI é preciso ter um espírito aberto. Primeiro, há que nos desocidentalizarmos. Depois abrir bem os olhos e ver o que lá está e não o que parece lá estar (senão, o filme será como tantos dizem, artificial). Open the mind for imagination... =P
    «primeiro estranha-se, depois entranha-se... e às tantas não reconhecer a originalidade da obra é ofensa» =P

    Espero que gostes. Bom filme!

    Cumps.

    Roberto F. A. Simões
    CINEROAD

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  5. Tal como o Fifeco respondeu, tenho esse DVD aqui para ver, depois de ter saído no Público de Sábado.

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  6. Pois, é compreensível mas sabe sempre bem comprar filmes a bons preços. Há que tornar a cultura mais acessível.

    Quanto ao filme, dar-lhe-ei uma oportunidade e esperarei que o filme se entranhe sendo assim.

    Abc

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  7. Não acho o filme assim tão bom, comparado com "A Tríade de Xangai" e o "Viver"(para mim um dos melhores filmes chineses de sempre).
    É bom mas não tanto assim...mas também só o vi uma vez...

    Abraços

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  8. É só um dos melhores filmes de sempre! fabuloso, as cores, o tempo, a fotgrafia, o argumento..

    belo! isso sim!

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  9. TIAGO RAMOS: Vê então o filme... É deslumbrante em todos os sentidos. Arte pura.

    FIFECO: Sim, sem dúvida. Há que torná-la acessível. Vais gostar certamente.

    ÁLVARO MARTINS: De uma coisa não tenho dúvidas. É um excelente filme. Esses filmes, ainda não os vi. Espero ter uma oportunidade futuramente.

    JOÃO: Sim, definitivamente! Sem sombra de toda e qualquer dúvida: um dos melhores de sempre.

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    Roberto Simões
    CINEROAD - A Estrada do Cinema

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  10. Desde a nossa última conversa aqui neste estaminé acabei mesmo por visualizar o filme. E devo dizer que me surpreendeu... bastante mesmo. Visualmente é arrebatador e o argumento não fica nada atrás da perfeição da realização e das interpretações. Um must-see sem dúvida alguma.

    Abraço

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  11. Só tenho uma palavra. EXCELENTE!!! Em todos os sentidos. Narrativa, história, estética, realização, música. Tem todos os elementos que me cativam e é sem dúvida um dos melhores filmes do género. Um dos meus filmes favoritos

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  12. FIFECO: Como disse na crítica: "um dos melhores e mais belos filmes de sempre". Há por ali perfeição para dar e vender ;)

    CLÁUDIA GAMEIRO: Também um dos meus. Arrebatador, em absoluto!

    Cumps.
    Roberto Simões
    CINEROAD - A Estrada do Cinema

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  13. Devo confessar que há muito me estranhava a nota que desses para esta película. Porém, hoje ao acabar de visuliazar, dei-me conta que realmente o havia subestimado, o que por um lado é bom. Sim, como é bom ser totalmente surpreendido positivamente com um filme, ainda mais por uma obra-prima destas. Ele superou minhas expectativas em todos os sentidos. O primeiro parágrafo da sua resenha diz tudo: "...eis que a arte e o cinema oriental atingem o seu máximo esplendor... Herói não é senão uma absoluta obra-prima: um mágico, fascinante e arrebatador delírio visual e um visceral poema das mais humanas emoções."

    Sem mais.
    Parabéns!!

    Abraços!!

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  14. RAFHAEL VAZ: Muito obrigado! É um prazer poder contribuir para que mais cinéfilos descubram obras-primas como esta!

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    Roberto Simões
    CINEROAD – A Estrada do Cinema

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  15. Vi este há muito tempo. As coreografias são excelentes, claro. É uma arte que os chineses andam a desenvolver há muitos anos.

    Não quero ser chato com a minha tara pelo chamado cinema de m****, mas existe filmes muito interessantes feitos com orçamentos miseráveis.

    O Tarantino que até usou esta matéria-prima nos seus Kill Bill, divulgou uma lista de coisas "grindouse" que admira, alguns são desta, digamos, pancadaria (Master of the Flying Guillotine, etc). Recomendo uma olhadela no link:

    http://www.grindhousedatabase.com/index.php/Quentin_Tarantino%27s_Top_20_Grindhouse_Classics

    Espero que um dia dediques algumas palavras a estas pérolas...

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  16. PEDRO PEREIRA: Fá-lo-ei, quando muito não seja em tua homenagem e pelo teu intenso contributo a este espaço. Admito que, pessoalmente e comigo mesmo, tenho algum preconceito em relação à denominada "série B", mas o preconceito só existe dada a minha profunda ignorância na matéria. Admito que possam existir obras extraordinárias.

    Quanto a HERÓI, sou um pouco mais entusiasmado, pelo que percebo. Mas estamos os dois de acordo no essencial.

    Cumps.
    Roberto Simões
    » CINEROAD - A Estrada do Cinema «

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  17. Uma obra-prima, evidentemente.

    Descobri-o muito devido à tua crítica ;)

    É uma pérola à espera de ser descoberta por muito boa gente!

    Abraço

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  18. Lembro de quando vi esse aí no cinema. Estética sublime. Em matéria de história, porém, prefiro "O Clã das Adagas Voadoras".

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  19. JACKIE BROWN: Estamos então totalmente de acordo. E que belíssima obra-prima.

    WALLY: Sublime mesmo. Esse outro filme de Yimou que refere, em Portugal O SEGREDO DOS PUNHAIS VOADORES, é também um grande filme, bem distinto. Pessoalmente, prefiro HERÓI.

    Cumps.
    Roberto Simões
    » CINEROAD - Há 2 Anos na Estrada do Cinema «

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  20. Não sabia desta "magnitude" toda. Para mim "Herói" era apenas um filme sobre luta oriental, por isso nunca dei a devida atenção, mas depois de conferir a sua crítica e ver as imagens, fiquei bem curioso em conferir!!!

    Abs.

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  21. ALAN RASPANTE: Acredite, Alan, é mesmo um filme eterno, deslumbrante a cada frame e absolutamente imperdível.

    Cumps.
    Roberto Simões
    » CINEROAD - Há 2 Anos na Estrada do Cinema «

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  22. Em português brasileiro:

    "Quem diria que Espada Quebrada, uma pessoa que mal conheci, pôde ver o que há de verdade em meu coração"

    Heroi é o meu vice-campeão de todos os tempos. Não há uma única tomada feia neste filme que sempre me emociona.

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  23. ENALDO: É tão belo que me transcende a cada visualização.

    Roberto Simões
    CINEROAD

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  24. Finalmente vi este filme :).. e que filmaço!
    "A MAGIA DE CONTAR UMA HISTÓRIA" eu não diria melhor, é mesmo uma experiência única poder assistir a este HERÓI.
    Visualmente e tecnicamente impressionante, argumento muito bom e realização excelente. Realço sobretudo as interpretações, muito emocionantes e contagiantes. Uma última nota especial para a banda sonora que assenta que nem uma luva.
    Do Zhang Yimou é o 1º filme que vejo, mais virão brevemente :)

    Abraço

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  25. De acordo (contigo e ali com o Pedro :)), um grande filme, ou melhor um enOrme filme, daqueles que primam em tudo, desde a banda sonora à fotografia, desde as interpretações à realização (assombrosa). Para mim contudo o que mais se destacará será sempre o argumento, à la Rashomon de facto, mas que sabe ir beber ao clássico de Kurosawa com inteligência, intrincada imaginação e puro sentido estético. É pois em tudo e mais alguma coisa um exercício excelente e um pedaço de cinema ímpar. Não tenho como lhe resistir em toda a sua poesia e emocionante narrativa.

    abraço

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  26. PEDRO D. M. TEIXEIRA e JORGE: Palavras para quê?

    Roberto Simões
    » CINEROAD «

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  27. Seu texto consegue exprimir uma sensação que tive enquanto assistia a esse filme - "isso é uma obra de arte" -, mas que não consegui colocar em palavras em forma de texto. Yimou é dos mais valiosos tesouros da China em termos de cinema.

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  28. MULHOLLANDCINELOG: Sem dúvida, para além do mais é dos cineastas chineses mais internacionalizados. Realizador de filmes belíssimos.

    Roberto Simões
    CINEROAD.blogspot.pt

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